Considerações sobre monocascos e multicascos para construtores amadores

Pequeno catamaran  cabinado de 18 pés de Bern Kohler
Existe uma interminável discussão sobre qual configuração é melhor. Chega a ser exagerado o debate. Certos adeptos dos monocascos são até intolerantes com multis. Vale a pena encarar o tema com serenidade respeitando o uso de cada projeto. Não pretendo aqui esgotar o tema, mas dar algumas indicações. O projetista de catamarans Chris White devolve a agressividade em seu livro The Crusing Multihull e escreve "Multicascos são excelentes para velejar e viajar. Monocascos são ideais para ficarem parados na marina". Claro que os monocascos dominam os mares por duas razões: são mais baratos e transportam mais carga. Eu pessoalmente sou um defensor dos catamarans, mas somente em certos casos. Não defendo incondicionalmente. Já fui dono de um Hobie Cat de 5 metros e estudei muito sobre o tema da construção de monos e multis. Vamos analisar a questão sobre várias perspectivas.

1) O pretendente quer um pequeno barco cabinado na faixa dos 5 ou 6 metros. Mono ou multi?
Um monocasco pequeno será mais confortável do que um catamaran, porque nesta faixa são raros os catamarans que possuem cabine e quando possuem são pequenas e mal permitem um jogo de cartas no camarote numa tarde chuvosa. Além disso alguns catamarans, como o hobie cat, não tem nem onde sentar, o tranpolim é desconfortável para longas horas, são muito esportivos. Um barco pequeno deve ser prático de transportar numa carreta. Neste tamanho e com cabine os monos levam vantagem.

2) O pretendente quer um barco barato de construir.
Belhaven 19 pés, de B & B Yacht Design

Mais uma vez o monocasco ganha. Chris White lembra que um catamaran são dois barcos. Além disso os catamarans usam mastros e velas maiores o que aumenta bem o custo. Embora uma quilha de ferro fundido custe caro, o tempo de construção e materiais de um multi certamente vão superar o custo da quilha.

3) Custo operacional.
Este ponto tem vários aspectos. Os ferry boats são catamarans porque são rápidos e exigem pouca potência no deslocamento, então são eficientes no combustível e na velocidade para transportar pessoas diariamente. Barcos de pesca e carga não precisam ser rápidos, e sim carregar muito peso, assim os monocascos levam mais por menos.
O custo de uma marina é mais alto para multicascos: na Europa as marinas simpáticas cobram só 50% a mais do que um mono, mas outras não fazem concessões e cobram o dobro. Então se o barco ficar muito parado o custo será maior. O transporte por terra de um catamaran é algo crítico... melhor nem comentar. O custo operacional varia de acordo com o uso. Se for navegar muito, como em charters por exemplo, os trajetos serão mais rápidos no catamaran e isto reduz custos (pode fazer um percurso na metade do tempo, uma viagem de 6 dias pode demorar 3). Se for navegar muito eu diria que o custo operacional do catamaran é mais baixo. Se for deixar 95% do tempo na marina (como a maioria dos barcos de recreio) o mono leva vantagem. Para levar carga sem pressa o mono ganha.

Interior do catamaran Eco 55 de 18 pés: espaço limitado
4) Rentabilidade para charters:
O catamaran permite mais ambientes e uma maior capacidade de leitos do que um mono, sendo portanto mais rentável.

5) Conforto:
Não há muita dúvida que o catamaran de grande porte é mais confortável, não apenas pelo espaço interno, mas pelo fato de não velejar adernado. Se forem de pequeno porte a coisa se inverte: os monos pequenos serão mais confortáveis do que os multis (conforme o item 1). Compare nas fotos o interior de um catamaran de 18 pés e um mono de 19 pés. Mesmo que o catamaran fosse 19 pés, ele não teria o mesmo espaço interno do que o mono. Até a faixa dos 28 pés eu diria que os monos são mais confortáveis, Compare o layout de um catamaran Bora Bora 28 e um Multichine 28, ambos do Roberto Barros Yacht Design. O multichine tem banheiro e cozinha onde se fica em pé, e mesa de jantar, ja o Bora Bora não tem a cabine central e as pessoas se apertam nos cascos. Somente catamarans de maior porte serão mais confortáveis do que monos.
Comparativo de layout de barcos de 28 pés: neste tamanho o monocasco ganha em conforto

6) Segurança: 
White argumenta que multicascos são insubmersíveis e é preferível ficar com seu barco virado de cabeça pra baixo, mas ter todos os seus suprimentos e recursos disponíveis, do que arriscar a sorte numa pequena balsa inflável com seu barco no fundo do oceano. Eventualmente o monocasco pode enfrentar uma tempestade com mais tranquilidade: velejar um multicasco nessas condições será sempre mais tenso. Por outro lado White argumenta que velejar adernado provoca muita fadiga na tripulação e a lentidão dos monos faz a viagem mais longa. Portanto nos multicascos a tripulação estará sempre mais descansada para enfrentar situações estressantes. O catamaran também veleja mais rápido e pode escapar de tempestades e ficar menos tempo exposto ao mar numa travessia. Virar de ponta cabeça um catamaran de grande porte é muito difícil. Lembrando
Interior do Belhaven 19 pés: camas numa pequena sala
também que se um monocasco virar não necessariamente vai desvirar e os danos também podem ser consideráveis. A longa quilha de um monocasco também é um item de risco considerável, em encalhes, impactos ou fadiga de material. O catamaran costuma ter dois motores e dois lemes, redundâncias que agregam segurança.

7) Custo não é problema:
Bem, neste caso o catamaran ganha, porque embora seja mais caro você terá muito mais barco para desfrutar, mais espaço, mais velocidade, mais conforto.

8) Beleza:
Item polêmico. Um monocasco, bela sua simplicidade de linhas pode ser mais bonito e discreto do que um catamaran. Os catamarans também são bonitos, mas são estruturas muito maiores, largas e espalhafatosas. Eu diria que um monocasco, como um objeto coeso e monobloco, é mais elegante do que um multi. Mas elegância não é tudo na vida. Os multis são mais arrojados.

Bem, por enquato é isso! Cada um tem seus compromissos e necessidades. No geral um monocasco é mais prático, enquanto o multicasco tem mais recursos. Bons ventos!!
Um abraço! Ricardo Ramalho

11 comments:

  1. Concordo vc quanto a Monos pequenos serem mais confortaveis internamente. Mas Catamarans acima dos 35 pés já começam a ter pé direito nas cabines e aí a coisa muda de figura.
    Quanto a segurança realmente o meu catamaran é insubimergivel. E virar um tiki é muito dificil. Mas esse negocio de mastro maior é escolha do C.White que desenha barcos pesados e precisam de muito mastro. E o custo tambem. Construi o Tiki 30 pela metade do preço de um multichine 26 (que foi feito ao lado). Isso varia muito de projetista para projetista. Mas gostei do artigo, parabens.

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    1. Olá Rogério!!! Obrigado pelo comentário e parabéns pelo seu Tiki 30. O que o C. White diz é que um multicasco pode ter mais área vélica do que um monocasco do mesmo tamanho. Mas claro que tudo depende do projeto e da proposta do barco. Onde está o seu Tiki 30? E como foi feito ao lado de um 26? Fiquei curioso. Era um estaleiro? Os barcos do Roberto Barros são caros mesmo, são muito competitivos e regateiros. Ultimamente tenho curtido mais barcos simples, com mastros de madeira e tal. Um abraço!

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    2. Meu tiki fica em Angra ou na urca. Eu acho que a área velica tem haver com o deslocamento e normalmente vejo monos com mastros bem grandes.
      Meu tiki foi construído por mim no clube são Cristóvão, no rio. Tínhamos como vizinhança: MC 26, MC 31(2), Samoa 36, Samoa 28.

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    3. Meu tiki fica em Angra ou na urca. Eu acho que a área velica tem haver com o deslocamento e normalmente vejo monos com mastros bem grandes.
      Meu tiki foi construído por mim no clube são Cristóvão, no rio. Tínhamos como vizinhança: MC 26, MC 31(2), Samoa 36, Samoa 28.

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    4. Meu tiki fica em Angra ou na urca. Eu acho que a área velica tem haver com o deslocamento e normalmente vejo monos com mastros bem grandes.
      Meu tiki foi construído por mim no clube são Cristóvão, no rio. Tínhamos como vizinhança: MC 26, MC 31(2), Samoa 36, Samoa 28.

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    5. Olá Rogério! A área vélica tem relação com deslocamento considerando o peso da quilha para obter estabilidade, mas catamarans não usam o critério de lastro para definir altura do mastro, e sim a boca total e comprimento do casco. São princípios diferentes. Os tikis são barcos muito marinheiros em qualquer condição de mar, e por isso seus mastros não são tão altos. Cascos mais esportivos usam mastros maiores. Abraço

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  2. Veja Ricardo:
    http://tikirio.blogspot.com.br/2015/06/tikirio-historia.html?m=1

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  3. Ricardo, muito interessante e útil esse estudo. Gostaria de complementar o seguinte: segundo Gregor Tarjan, existem 3 classes de catamarans: 1 (aberto), 2(cabine parcial) e 3(cabine integrada). Se vc comparar o mesmo MC 28 com um cata de 28 pés classe 3 como o KD 860, verá que o segundo tem mais espaço interno. Outro aspecto relevante é a questão do calado, que os catamarans levam vantagem sobre a grande maioria dos monocascos. Abraço!

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    1. Olá, obrigado Marcelo. Interessantes as três classes. O KD860 é um projeto sensacional, de conceitos agressivos. Realmente é um catamaran confortável para o tamanho. Mas também é um barco bem mais pesado do que o Bora Bora. Abraço!

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    2. Ricardo boa noite, sou Augusto Batista de Recfe, estou interessado no KD 860. Preciso de mais informações. Você optou por ele? O que você construiu?

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    3. Olá, só vi agora seu comentário. Eu construí barcos menores. O KD860 tem um tamanho bom, e bastante performance e conforto. Não é barato, mas é dos mais interessantes neste tamanho.

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